Mãe Dedé: A mão do Amor
Josefa Maria da Conceição esse era o seu nome de batismo, mas o apelido foi o que vigorou. Não conheceu o pai e sua mãe fora escrava. Se dizia filha de ventre livre (Lei do Ventre Livre) dizia com orgulho: “Fui cativa não meu fio, sou de ventre livre, já era livre desde a barriga da minha mãe”. Sua mãe, tivera tido muitos filhos, de um bocado de pais diferentes como a mesma dizia. Isso era a condição das mulheres sob o signo da escravidão. Na impossibilidade de criar os próprios filhos, sua mãe doava os meninos para serem criados por quem pudesse e assim o fez com a Josefa.
Quando Josefa era pequena, já andava e falava poucas coisas, foi dada a Dona Ritinha e ao Sr. Gonçalo que eram um casal jovem, de boas condições e que não tinham filhos ainda.
Josefa foi crescendo, sob os cuidados de sua mãe Ritinha como ela chamava, até que dona Rita engravidou e teve uma filha que dera o nome de Adélia. Josefa ficou tão feliz quando a criança nasceu que insistia para pegar o bebê no colo e a mãe não deixava porque ainda era muito menina. Um dia, dona Ritinha ficou apavorada, o bebê tinha sumido do berço e ninguém sabia onde estava, procuraram por toda a casa, até que depois encontrou embaixo da cama, Josefa com o bebê no colo acalentando. Era tão pequena que cabia sentada embaixo de uma cama.
Cresceram as duas juntas, Adélia mais recatada e Josefa mais astuta, pregava peça nos colegas, coisas como ajudá-las a subir em árvores altas e não ajudar a descer, mas era queridíssima por todas, e por sua mãe Ritinha.
Adélia ficou moça, tornou-se professora, casou-se com Manoel Caetano e Josefa foi junto para cuidar da irmã e ajudá-la na casa nova.
Vieram os primeiros filhos e foi aí que Josefa virou Mãe Dedé, e seus dias daí pra frente foi cuidar de todos. Era catolicíssima, decorava as rezas todas, arrumava os altares da igreja e participava ativamente da Irmandade das Filhas de Maria, inclusive foi uma das pioneiras.
Mãe Dedé era quem zelava pela Igreja Matriz junto ao seu compadre Caetano. Era ela quem levava e engomava os panos da igreja e em casa, as bacias e o sabão eram separados também o “sagrado” do “profano”.
Mãe Dedé ajudou na construção e conclusão da Igreja Matriz, quando aos domingos subia para a missa levando uma pedra para a base. Presenciou as primeiras festas e procissões de fevereiro. Puxava os terços e as novenas na falta de padres, ajudava necessitados e não negava uma esmola a ninguém. Era adorada pelas crianças, principalmente quando estava fabricando as hóstias para alimentar a fé dos católicos.
Dia de fabricação de hóstias na casa do Sr. Caetano era uma farra, a meninada lá esperando os cacos e as que tostavam além do ponto e era mãe Dedé que coordenava a distribuição para não virar bagunça. Era tolerante, brincalhona e querida pelos mais jovens.
Ficou triste quando as meninas de seu compadre Caetano foram estudar em internato de freiras, achava ruim não ter todas por perto, mas se era pra estudar tudo estava certo. Mãe Dedé era alegre, ria das próprias coisas, dizia que não casou e nem queria porque só arrumava bêbados e não gostava muito de bebida, só nas festas é que tomava um pouco de cerveja e misturada com açúcar porque ela achava amarga.
Sua grande tristeza era não saber ler, ficava muitas vezes a olhar as revistas e jornais de seu compadre Caetano e era surpreendida quando alguém via:
- Oxente mãe Dedé! Ta de cabeça pra baixo!
E ela ria:
- Eu só to vêno as fotos.
A própria foto que encabeça essa coluna foi tirada em 1928 e mostra mãe Dedé bem moça com um livro nas mãos. Ela era questionada também por seus filhos de criação.
- Eita mãe Dedé e essa foto com um livro e tu não sabe ler!
- Ah! Minha fia e num foi o danado do fotografo do Recife que mandô.
Criados os filhos de dona Adélia, todos já encaminhados, trabalhando, mãe Dedé achou pouco e foi para o Recife criar os filhos de Dona Maria José.
Deixou todos criados e teve que voltar a São Vicente. Já estava cansada como bem colocou Maria das Mercês no poema intitulado Mãe Dedé:
“Aí foi diminuído sua macha
Desanimada de tudo arquiava
Pois seu corpo já não podia
E a tudo fraquejava”.
“Quando não mais podia
Caiu no seu leito de dor
Aí sofreu, gemeu
A espera da chamada do senhor”
Seus últimos dias foram em sua cama, ao lado de seus quadros de santo, todos os seus “filhos” ao redor dela, que decifraram em seus lábios cansados o ultimo desejo que foi realizado. A oração do Ofício de Nossa Senhora da Conceição.
“Cercada dos seus
Que lhes amavam com fervor
Com todos os sacramentos
Preparou-se para o Senhor”
No dia 08 de junho de 1976, os seus incertos 84 anos (não se sabe ao certo seu nascimento), mãe Dedé foi recebida no céu por um monte de anjinhos pretos e de mãozinhas doces como as suas.
Publicação autorizada.
Escrito por Kleber Henrique
Professor de História
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